Jelle R. Bakker
Sócio da Bentacera para a área dos impostos internacionais e Diretor para a área dos impostos europeus do Kreston Global Tax Group
Especialista em fiscalidade da Kreston e diretor regional de fiscalidade no Grupo de Fiscalidade Global da Kreston, Jelle Bakker realizou muitas contribuições na área da fiscalidade internacional ao longo dos últimos 35 anos, incluindo 10 anos como conselheiro fiscal sénior no Global Network Bank.
Diretiva Antielisão Fiscal 3 (ATAD 3) – Compreender a Diretiva Unshell na UE
Janeiro 8, 2024
A Diretiva Antielisão Fiscal n.º 3 (ATAD 3), também designada por Diretiva Unshell, é uma proposta fundamental da Comissão Europeia que visa limitar a utilização abusiva de entidades fictícias para fins fiscais.
A diretiva recebeu uma aprovação alterada do Parlamento Europeu em 17 de janeiro de 2023. No entanto, a decisão cabe agora ao Conselho Europeu, que determinará se aceita ou altera a proposta.
A legislação estava prevista para entrar em vigor a partir de 1 de janeiro de 2024, mas a aplicação da diretiva poderá ser adiada até janeiro de 2026.
É de salientar que as entidades de fachada localizadas fora da UE, nomeadamente na Suíça, Reino Unido, Dubai, Singapura e Hong Kong, serão abrangidas pela ATAD 4.
Numa entrevista recente, Jelle R Bakker, Diretor do Grupo Fiscal Regional Global da Kreston, esclarece os meandros do ATAD 3.
O enigma das empresas de fachada
As empresas-fantasma são, desde há muito, motivo de preocupação, servindo frequentemente de veículo para um planeamento fiscal agressivo ou para a evasão fiscal. A proposta da Comissão Europeia tem por objetivo resolver esta questão, garantindo que as empresas fictícias na UE não possam beneficiar de vantagens fiscais.
Uma empresa-fantasma é uma sociedade que apresenta pouca ou nenhuma atividade económica. A UE estima que 75 000 empresas, que representam menos de 0,3% do número total de empresas activas na UE, são abrangidas por esta classificação.
A Diretiva Unshell: Um guia passo-a-passo
Passo 1: Gateways
De acordo com Jelle, qualquer entidade que exerça uma atividade económica, seja considerada residente fiscal e elegível para receber um certificado de residência fiscal num Estado-Membro é abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva Unshell.
A entidade deve cumprir três requisitos cumulativos:
- Rendimento passivo: Mais de 65% dos rendimentos dos dois anos fiscais anteriores devem ser considerados “rendimentos relevantes” no âmbito da ATAD 3.
- Atividade transfronteiriça: Pelo menos 55% do rendimento relevante deve ser obtido ou pago através de transacções transfronteiriças.
- Administração subcontratada: A administração das operações quotidianas e a tomada de decisões sobre funções significativas foram subcontratadas a um terceiro nos últimos dois anos fiscais.
Etapa 2: Indicadores mínimos da substância
As entidades que cumprem os critérios de acesso sem excepções ou isenções temporárias são consideradas “em risco”. As obrigações de comunicação de informações determinam se a entidade tem uma substância mínima ou inexistente, trocada automaticamente com outros Estados-Membros.
A entidade deve declarar três “indicadores mínimos de substância” cumulativos na sua declaração fiscal anual:
- A entidade tem as suas próprias instalações (ou a sua utilização exclusiva) no seu Estado membro.
- A entidade possui pelo menos uma conta bancária ativa ou uma conta de moeda eletrónica na UE.
- A entidade tem ou um diretor qualificado e autorizado, ou a maioria dos empregados equivalentes a tempo inteiro são residentes fiscais no estado membro da entidade.
Etapa 3: Presunção de falta de substância mínima
Presume-se que as entidades que não cumprem os indicadores mínimos de substância acima referidos são empresas de fachada. A declaração de impostos deve ser acompanhada de documentos comprovativos, incluindo actividades comerciais, actividades externalizadas, directores ou empregados residentes, dados bancários e provas da atividade da conta bancária.
Etapa 4: Contestação da presunção
Uma entidade pode ilidir esta presunção fornecendo o seguinte:
● provas de apoio adicionais da lógica comercial subjacente à utilização da entidade
● informações sobre os empregados
● provas concretas da tomada de decisões no Estado-Membro.
A contestação, se for aceite, pode ser válida por cinco anos se as circunstâncias se mantiverem inalteradas.
Etapa 5: Derrogações e isenções
As seguintes entidades estão isentas dos requisitos de informação previstos na Diretiva Unshell:
● entidades regulamentadas (financeiras) específicas
gestores de fundos de investimento alternativos
● entidades listadas
entidades com accionistas e actividades operacionais no mesmo estado-membro
● sociedades gestoras de participações sociais com accionistas
● entidades-mãe no mesmo Estado-Membro
Etapa 6: Consequências fiscais da sociedade de fachada
As entidades que satisfazem os três critérios, que não satisfazem os indicadores mínimos de substância e que não conseguem ilidir a presunção de serem uma empresa fictícia, enfrentam várias consequências fiscais.
Estas incluem a recusa de um certificado de residência fiscal, a recusa de benefícios fiscais ao abrigo de tratados fiscais e directivas fiscais da UE, o tratamento como entidade não considerada pelos Estados-Membros onde os accionistas estão localizados e a imposição de retenção na fonte sobre os pagamentos à entidade fictícia.
Etapa 7: Intercâmbio de informações e auditorias fiscais
Os Estados-Membros têm acesso automático a informações sobre entidades fictícias através do intercâmbio automático de informações ao abrigo da Diretiva “Unshell”. Além disso, os Estados-Membros podem solicitar auditorias fiscais quando houver suspeitas de incumprimento.
A Diretiva Unshell impõe sanções em caso de incumprimento, tendo a Comissão Europeia proposto uma sanção pecuniária administrativa de, pelo menos, 5% do volume de negócios da entidade no ano fiscal em causa.
ATAD 3 – A abordagem da UE e a evolução recente
Jelle apresenta uma perspetiva crítica da abordagem da UE, afirmando que “a UE está a usar uma marreta para partir uma noz”. Com apenas 0,3% das empresas abrangidas pela classificação de empresa-fantasma, Jelle sugere que as regras anti-abuso existentes na UE, incluindo os conceitos de substância e várias disposições nacionais e de tratados, já respondem às preocupações em matéria de evasão fiscal.
Os desenvolvimentos recentes, incluindo uma proposta de compromisso da Presidência espanhola do Conselho da UE, visam garantir que a Diretiva “Unshell” não prejudique as regras anti-abuso em vigor nos Estados-Membros. Em 5 de setembro de 2023, foram manifestadas preocupações durante uma reunião do grupo de trabalho da UE sobre questões fiscais. Alguns países manifestaram a sua preocupação com o facto de as entidades que não são consideradas empresas fictícias ao abrigo dos critérios Unshell poderem ser consideradas legítimas, contornando assim as regras nacionais anti-abuso.
A proposta de compromisso sublinha que a diretiva não introduz novas normas, mas acrescenta valor ao identificar casos “manifestos” de entidades fictícias através de um processo baseado no risco e na presunção.
As entidades que não forem consideradas entidades manifestamente fictícias não ficarão sujeitas a obrigações e consequências adicionais ao abrigo da Diretiva “Unshell”. No entanto, o Estado-Membro onde essa entidade está localizada mantém o direito de concluir o contrário após uma auditoria ao abrigo das suas regras nacionais.
Outras clarificações garantem que a administração de outro Estado-Membro pode considerar que essa entidade não tem substância económica suficiente ao abrigo das disposições nacionais, mesmo que não o faça ao abrigo da diretiva. A proposta de compromisso visa impedir que a Unshell prejudique as regras nacionais antiabuso ou antievasão fiscal.
Os Estados-Membros são encorajados a não serem impedidos de aplicar outras consequências a entidades consideradas “shells” no âmbito do Unshell ou a partes não sujeitas a consequências no âmbito do Unshell.
A proposta sugere também ajustamentos ao limiar de receitas e ao valor contabilístico das entidades excluídas do âmbito de aplicação da diretiva. As entidades governamentais totalmente detidas pelos governos dos Estados-Membros ou que não sejam consideradas entidades de alto risco estão excluídas do Unshell.
Atualização significativa
Em conclusão, a Diretiva “Unshell” representa uma mudança radical na abordagem da UE para combater a evasão fiscal através de entidades fictícias. As empresas devem seguir estes passos para garantir a conformidade e o planeamento fiscal estratégico neste cenário fiscal europeu em evolução.
À medida que a diretiva é objeto de novos debates e de potenciais alterações, manter-se informado e ágil será crucial para as empresas que operam na UE.
Para falar com um dos nossos experientes especialistas em fiscalidade na UE, contacte-nos.